Na infância e na pré-adolescência, muita gente faz do diário um grande amigo, capaz de guardar os maiores segredos - e não contar nunca pra ninguém! Foi assim com Adriana Ferraz, 28 anos, que escrevia diariamente tudo o que acontecia na sua vida. "Eu escrevia com riqueza de detalhes, falava das brigas com a minha irmã, com meus pais, escrevia o nome do garoto de quem eu gostava e desenhava um monte de corações em volta. E era tudo exagerado: eu acreditava que ia casar com ele, ter filhos, que iria morrer se não pudesse ficar com ele", lembra Adriana, que guarda os cadernos até hoje e de vez em quando gosta de dar uma olhada. "É um registro, né? As memórias ficam preservadas, os bons e os maus momentos. E sempre dá pra tirar um aprendizado para não repetir os mesmo erros de antes", diz ela, que hoje não tem mais diário, mas guarda seus desabafos em documentos do word, em uma pasta que já acumula textos que podem um dia resultar em uma autobiografia.
Depois do diário, vieram as agendas. Elas não tinham cadeado, mas também eram guardadas a sete chaves, como conta a arquiteta Diane Patrício. "Eu não escrevia todo dia na agenda, mas sempre que estava angustiada com algum problema, na maioria das vezes, sentimental", entrega. Diane, aos 26, ainda tem uma caderneta onde anota os compromissos e não se priva de usá-la também para pequenos desabafos. "Escrevo frases mais poéticas, ou o trecho de uma música que exprima exatamente como anda o meu estado de espírito", revela, garantindo se sentir mais calma depois de escrever.
Hoje em dia, a internet fez das agendas e diários um livro aberto. Milhões de blogs revelam o dia-a-dia de pessoas como a professora de inglês Aline Torres Homem, 30 anos, que tem o hábito de escrever desde garotinha e resolveu publicar seus escritos na rede. "Não me lembro de qualquer época na qual não tivesse uma agenda ou diário, ao menos desde os nove anos... Até hoje tenho minha agenda de compromissos, mas ainda uso pra desabafar também", confessa ela, acrescentando que escrever é sempre um acalento. "É uma auto-análise, botar no papel ajuda a processar qualquer coisa pela qual eu esteja passando. Escrever faz com que eu me distancie um pouco e tenha outro ponto de vista, o que sempre ajuda", garante Aline, dona do blog "Casa do Cacete".
Para a professora de Inglês, o blog é como um psicólogo particular. "É meu confidente, um lugar onde posso dizer o que penso e o que sinto", diz Aline, que não sente sua intimidade devassada. "Quando falo de alguma coisa mais secreta, às vezes uso metáforas, símbolos, analogias... E as pessoas das quais escondíamos os nossos diários (pais, principalmente) continuam "não os lendo", ou seja: quando o fazem, fazem sem que a gente saiba, como naquela época...", diz.
A pessoa pode escrever sob forte emoção, em dado momento e, posteriormente, ler o que escreveu sob um novo olhar, de forma mais racional e lógica
publicitária Rosana F., 30 anos, tem um hábito curioso para desabafar. "Quando estou muito brava com alguém, para não ser grosseira, abro um email e solto os cachorros. Xingo, reclamo, pego pesado. Em seguida, em vez de mandar pra pessoa em quem pensei, mando pra minha melhor amiga", conta Rosana, garantindo que, dessa forma, consegue desabafar sem sair do salto. "Escrever esses desaforos tem o mesmo resultado de contar até 10, dá um alívio, acalma. Depois eu consigo ser educada e falar com a pessoa sem ofender", explica ela. Sua melhor amiga já está acostumada. "Ela ri, toma as minhas dores, me ajuda a xingar também", diz a publicitária.
Segundo a psicanalista e terapeuta de casais Priscila de Faria Gaspar, muitas pessoas gostam de escrever e sentem-se bem com isso. "Não há uma idade ‘certa' ou ‘errada'. O que se observa na prática é que, em geral, adolescentes têm mais tempo livre que adultos, além de muitas vezes sentirem que fatos corriqueiros são problemas enormes para eles", afirma a psicanalista, para quem escrever é uma espécie de auto-ajuda, pois auxilia na elaboração de um conteúdo que, muitas vezes, está confuso. "A pessoa pode escrever sob forte emoção, em dado momento e, posteriormente, ler o que escreveu sob um novo olhar, de forma mais racional e lógica", afirma ela, acrescentando que há casos em que somente escrever não é suficiente e torna-se interessante a procura de um profissional que possa oferecer ajuda.
Sobre os blogs, Priscila salienta um ponto importante. "Pode ocorrer de a pessoa que escreve não ser tão sincera consigo o quanto seria, apenas por estar ciente de que o conteúdo de seu blog pode ser lido por qualquer pessoa", ressalta, frisando as diferenças entre guardar os escritos na gaveta e estampá-los na internet, quando se pode usar recursos ficcionais e poéticos como forma de proteção das intimidades.
Por fim, a psicanalista explica que o ato de escrever permite que se organize melhor as idéias, além de se ter a grande vantagem de não ser interrompido em seu discurso. "Escrever uma carta ou um e-mail pode ser uma forma de retomar o diálogo após uma briga e abrir a possibilidade de uma conversa e nunca para substituí-la", ensina Priscila, que aconselha mulheres a escreverem para seus parceiros. "Mas essas cartas e e-mails devem ser mostradas aos companheiros, sim! De preferência, elas mesmas lendo, com a devida entonação. Para isso, além de um pouco de coragem, é necessário pedir ao companheiro que a ouça, sem interromper, por alguns minutos apenas. Trata-se de um exercício para melhorar a comunicação do casal", finaliza.
Bel Vieira